O mercado de comunicação acabou de ganhar uma nova empresa. O Estúdio Nina, voltado a ouvir, entender, decodificar e compartilhar conhecimento sobre o público negro. O propósito é ser a ponte entre os negros e as marcas, conectando mais da metade dos consumidores brasileiros às marcas que atuam no Brasil. A iniciativa surgiu a partir da inquietação de duas profissionais que atuam na área, a publicitária Carolina Campos e a pesquisadora Ana Carla Carneiro.
O Brasil é o segundo país do mundo com a maior população negra. São mais de 100 milhões de pessoas, ficando atrás apenas da Nigéria. Se os consumidores negros do Brasil formassem uma nação, seria o 11º país do mundo em população e o 17º país em consumo (de acordo com um estudo feito pelo Instituto Locomotiva e Feira Preta). Mas apesar de 56% dos brasileiros (IBGE) se definirem como negros, pretos ou pardos, 94% deles não se sentem representados pela propaganda (fonte: Instituto Locomotiva, 2017).
“Falar de diversidade ou apenas incluir pessoas negras nas campanhas é insuficiente. É necessário estabelecer uma comunicação real e mais efetiva, e isso só é possível ouvindo esse consumidor. O mercado de pesquisa apresenta uma lacuna grave: não olha os negros, não tem dados e não se volta para suas necessidades particulares.”, explica Ana Carla.
Estudos do IBGE, apontam que as famílias negras são responsáveis por um percentual muito elevado dos gastos da grande maioria de categorias: 61% de leite em pó, 49% de biscoito, 44% de sabonete, por exemplo) e que o poder de compra da população negra está crescendo, sendo, portanto, um mercado promissor para marcas interessadas em conversar “de verdade” com metade de seu target e para isso é necessários conhecê-lo.
“As campanhas publicitárias moldam comportamentos e geram identificação do consumidor, mas o quando o negro não se vê representado nessas mensagens ou ela não ressoa, ele não acredita que é para ele. Se as marcas e as agências passassem a entender melhor esse target, já avançaríamos bastante. Somente é possível alcançá-los quando são evitados os estereótipos, as narrativas e a estética que reforçam a desigualdade e o preconceito. E a única maneira de se fazer isso é ouvindo os próprios negros”, complementa Carolina.
Para seu projeto inaugural, o Estúdio Nina desenvolveu o estudo “A Casa e seu Significado”, que compreendeu fases qualitativa e quantitativa, em que foram entrevistadas mais de 400 mulheres na cidade de São Paulo das classes B2 e C1.
O objetivo era compreender se haviam diferenças no que diz respeito aos significados que tem a casa, a limpeza e a sujeira, bem como às necessidades associadas à casa, e sua rotina de cuidados com o lar. O resultado, entre outros fatores, mostrou que:
Energia da casa:
É importante para as mulheres sentirem que a energia da casa foi renovada. Entretanto, para brancas, essa renovação vem através da reparação – por exemplo pintam a parede apenas quando ela está descascando ou manchada – enquanto para negras essa renovação vem através da mudança, fazendo com que pintem a parede e mudem a decoração mais frequentemente.
- 78% das entrevistadas negras pintam as paredes pelo menos uma vez ao ano, as brancas quando ela precisa de reparo;
- 68% alteram a decoração pelo menos 1 vez por semestre;
- 37% mudam os móveis de lugar a cada trimestre;
- 24% mexem na decoração da casa uma ou mais vezes por mês.
Hospitalidade:
- Para negras, receber em casa tende a ser um evento cotidiano e corriqueiro, com amigos que entram e saem a qualquer hora;
- A dona-de-casa é valorizada por criar um ambiente que acolhe as pessoas;
- São abertas para receber pessoas em casa, mesmo quando não estão preparadas para isso;
- Para brancas, a hospitalidade está mais associada a momentos distintos do cotidiano. Ela é valorizada por uma ser boa anfitriã – alguém que recebe com a casa limpa e gostosa, e sabe o que oferecer aos convidados para beber e comer.
Num efeito direto do racismo sobre as pessoas, observa-se que as mulheres negras realizam com mais frequência todas as atividades de cuidado e limpeza da casa, como faxina, limpeza do dia a dia, arrumação, lavar tapetes e cortinas, além de passarem roupa com maior regularidade, num esforço tanto de negar os estereótipos racistas, que desumanizam negros e os associam a sujeira, quanto de dignificar a própria mulher negra.
A partir de um estudo como este, marcas podem pensar estrategicamente desde ações em ponto de venda até posicionamento. “Estamos animadas com isso, todo mundo ganha; ganham as marcas que vão vender mais, ganham as agências que vão acertar mais”, afirma Carolina.