Belém arruma a casa para receber um mundo inteiro que chega falando 195 sotaques e medindo tudo em gigatoneladas. É COP30: de 6 a 21 de novembro, delegações, cientistas, ativistas e chefes de Estado desembarcam no coração da Amazônia, algo entre 50 e 60 mil pessoas, cabendo todo mundo entre a Estação das Docas e o planeta que a gente ainda quer habitar.
Nem todo mundo vem. Alguns preferem assistir de longe ao maior reality show climático do século. Donald Trump e Javier Milei, por exemplo, pularam a Cúpula de Líderes que antecede a conferência; os EUA e a Argentina mandam gente “em algum nível”, mas sem tapete vermelho diplomático. Uma pena: selfie com vitória-régia rende like, e talvez um acordo.
A cidade vibra, mas sofre: hotel caro, obra que atrasa, greve que ameaça o “Leaders’ Village” e morador que torce pelo legado sem perder a paciência, o asfalto sempre chega depois do anúncio.
No palco, o roteiro é conhecido, mas a cena é inédita. Desde a COP28, ficou combinado: triplicar renováveis e dobrar eficiência até 2030 e acelerar a transição longe dos fósseis. Em Belém, o mundo chega com a lição de casa dos novos NDCs, que deveriam ser entregues em 2025, a régua do 1,5 °C continua implacável, mesmo quando a política vacila.
“E o dinheiro?!” pergunta o boto, realista. Há o Fundo de Perdas e Danos iniciando sua fase operacional, e o Brasil puxando o Círculo de Ministros da Fazenda para pavimentar a estrada dos trilhões (de Baku a Belém). Nas conversas paralelas, desponta ainda o “Tropical Forests Forever Fund”, uma ideia de pagar por floresta em pé, retorno financeiro com fotossíntese no rodapé. Quem diria: a Amazônia virando ativo de renda fixa moral.
No meio disso tudo, Belém oferece seus sacramentos laicos: tacacá, tucupi e cachaça de jambu. A língua treme, o coração aquieta, e a diplomacia lembra de que o clima também é cultura. Mas o legado que interessa vai além do cardápio: infraestrutura que fique, participação social ampla e uma bússola ética, o tal Global Ethical Stocktake que o Brasil lançou com a ONU, para alinhar ambição com consciência.
E o agro? Ah, o agro não é coadjuvante, é parte do enredo central. Sem ele não há 1,5 °C que se sustente. Cabe ao campo acelerar a transição: regenerar solo, conter desmate, ampliar bioinsumose eletrificar energia onde fizer sentido, conectando-se às metas de renováveis e aos novos NDCs.
Agora, ouçam as palavras do Xamã Yanomami Davi Kopenawa:
“Estamos apreensivos, para além de nossa própria vida, com a da terra inteira, que corre risco de entrar em caos.”
Essas vozes atravessam o evento Brasília-mundo-Belém e lembram que não estamos só debatendo megawatts ou créditos de carbono, estamos dialogando com a própria vida.
No fim do dia, quando os chefes de Estado já foram (ou nem vieram) e as plenárias esvaziam, Belém respira. O vento do Guajará passa por entre as mangueiras e sussurra um lembrete simples: promessa boa é a que vira obra, na rede elétrica, na floresta viva, no transporte decente, no lavrado fértil. E, se der, que sobre um pouco de tucupi para celebrar as vitórias discretas. Porque o planeta não precisa de heróis improváveis; precisa de gente, muita gente, fazendo a parte que lhes cabe, com a urgência de quem ama.
E amanhã tem mais reunião. Porque, no fundo, COP é isso: um convite insistente para a humanidade aprender a morar melhor em casa.
Afonso Abelhão é sócio e CEO da agência BigBee, presidente da APP Brasil e conselheiro no IVC.
