O Festival Folclórico de Parintins possui grandiloquência e um grande poder de repercussão, visibilidade e estratégia. Na disputa entre os dois Bois, Caprichoso e Garantido, o posicionamento de defesa da natureza e de seus povos pelo apaixonante Boi Caprichoso foi o vencedor. O Touro Negro, com o tema “O Brado do Povo Guerreiro”, levou emoção ao público e conquistou seu 25º título, marcando sua história com ousadia e arte e ampliando a voz dos amazônidas.
“O Festival de Parintins é a forma que o povo da Amazônia encontrou para mostrar ao Brasil e ao mundo que a Amazônia tem uma riqueza artística e cultura única que assim como a floresta e sua biodiversidade, precisa ser protegida e preservada”, afirma André Guimarães, diretor executivo da Maná Produções, há 20 anos responsável pela área comercial e gestão executiva do projeto incentivado e pelos licenciamentos de marcas e parcerias, que não tem medido esforços na captação de patrocínios, que este ano cresceu 30%, em busca da manutenção da cultura nortista e Amazônica.
Ângela Mendes, ativista socioambiental, filha mais velha de Chico Mendes e presidente do Comitê Chico Mendes, diz que “O sentimento de que nossa voz vai ecoar longe é importante, nossa luta por vezes parece não encontrar eco e isso, em alguns momentos, nos deixa desanimadas e cansadas. Mas não dá para parar! E saber que temos espaços tão potentes para reverberar tudo isso que nos atravessa enquanto ativistas e defensoras socioambientais, pelo menos para mim, me dá um novo gás. A luta de meu pai, Chico Mendes, por uma floresta viva e com gente dentro, resultou na criação das Reservas Extrativistas, territórios de uso coletivo das populações da floresta que coletam a castanha, o açaí, o cacau e colhem o látex da seringueira, o óleo da andiroba e da copaíba. Uma gente que, com sua cultura e conhecimentos tradicionais, cuida dos nove Estados que compõem a Amazônia Brasileira”.
Ângela destaca ainda o bioma, sua população e a importância da preservação. “Por isso tudo, creio que não seria errado pensar que a Amazônia brasileira seja o bioma mais sociobiodiverso do planeta, pois além dos cerca de 180 povos indígenas, existem aqui as populações tradicionais locais, que representam pelo menos 20 categorias de trabalhadores e trabalhadoras da floresta, incluindo uma diversidade de atividades ricas e plurais deste planeta. Hoje, existem 66 Reservas Extrativistas sob a gestão do Governo Federal, outras 47 sob os governos estaduais, protegendo cerca de 5% do território amazônico. Falando em tamanho pode até parecer pouco, mas a riqueza que está concentrada nesta área é incalculável e é por isso que estes territórios também estão sofrendo com a invasão de grileiros, madeireiros, sojeiros”, completa.
“A importância da visibilidade que o Boi Caprichoso deu à luta dos povos da floresta é um alerta ao mundo sobre os perigos que ameaçam a integridade dos povos e dos territórios. Assim como a ONU já reconheceu que as terras indígenas protegem a floresta, é preciso se reconhecer também a importância de outros povos que juntos somam para compor o mosaico de culturas, conhecimentos e identidades, parte importante da solução para enfrentar a emergência climática que já está em curso. Foi essa a luta, inaugurada nesse festival pelo Boi Caprichoso, que me apaixonou, tornando-me parte desse boi que no sorriso das suas crianças, jovens e idosos, e na arte ousada de seus artistas, me fez ver o meu pai em cada um destes que constroem O Brado do Povo Guerreiro”, afirma Ângela.
Alessandra Koral Munduruku, liderança indígena e ativista social, ganhadora do prêmio de Direitos Humanos Robert F. Kennedy, em 2020, participou do Festival de Parintins pelo segundo ano consecutivo. Com a expectativa de reforçar o coro pela proteção da Floresta Amazônica, afirma que “A luta pelo rio é dos povos indígenas. A luta contra o garimpo e as invasões de nossa terra também é dos povos indígenas. A luta por vida digna para o nosso povo, do mesmo jeito, é nossa. A gente protege a Amazônia porque ela é nossa vida – a floresta, os bichos, as águas. Por isso vim aqui, novamente, em Parintins, para participar com o Boi Caprichoso. É o brado do nosso povo, de gente guerreira, de punhos erguidos com o boi negro de Parintins. É a nossa voz em defesa da Amazônia que chega a mais gente, que sensibiliza as pessoas para as nossas causas. É bom caminhar de mãos dadas e saber que a gente tem parceiros e parceiras porque a luta não é fácil. Mas a gente segue em frente! Me sinto como uma árvore, com raízes fortes, que vai dar frutos… nossa luta frutifica”.
O jornalista Fábio Gonçalves Modesto, Pai Francisco do Boi Bumbá Caprichoso, diz que “Anos atrás, o povo preto era apenas lembrado por nossas dores e sofrimentos, apenas visto como indivíduos escravizados, marginalizados. Um sintoma da ideologia racial que reproduz e legitima o racismo, fazendo eco na exploração e repressão de mulheres e homens socialmente marginalizados e estigmatizados racialmente. Entretanto, nossa pele, nossa cor e nossos traços reverberam nossas lutas, nossas causas. Por tanto tempo, resistimos para existir em uma sociedade ainda presa a um discurso do passado colonial. Mas o Boi Caprichoso, o Boi Negro de Parintins, em conexões mais amplas, como um instrumento educativo poderoso, dá visibilidade a um povo que não somente é lembrado por momentos de dor e sofrimento, mas por sua fundamental contribuição para a sociodiversidade amazônica, fazendo deste um lugar plural, rico em tradições, culturas e experiências de resistência que no ventre da Amazônia se enraizou e fez daqui sua morada ancestral. Aqui, moldou-se uma Amazônia de tantos povos, de tantos mitos e ritos, de diversas culturas e vivências, onde, na diversidade, apresenta sua peculiaridade identitária, no qual o povo preto se sente representado e abraçado pela estrela reluzente do Boi Caprichoso, fazendo este brado ecoar em forma de festa”.
Bruna Brelaz Amazonense, ativista, estudante e presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), declaradamente torcedora do Boi Caprichoso, emocionada fala sobre a canção Hutukara Yanomami, dedicada a Davi Kopenawa: “O Caprichoso denuncia a fome, o abandono e a dor que se abateram sobre esse povo recentemente, mas não tiraram a sua voz e a sua essência de vida. Muito se passou nesse país para que possamos gritar que vidas indígenas importam e que essas tradições e culturas já ocupavam o nosso território muito antes dessa civilização brasileira que conhecemos hoje. Como diz a nossa companheira e representante de lutas Célia Xakriabá, deputada eleita pelo estado de Minas Gerais, antes da coroa, já existia um cocar”.
Parintins é o quarto município mais populoso do Amazonas, com uma população de 96.372 pessoas, de acordo com a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em sua 56ª edição, o Festival de Parintins lotou o Bumbódromo, que comemora seus 35 anos nesta edição, em três noites, atraindo olhares de todo o mundo com a alegria dos brincantes de boi-bumbá. Foram cerca de 20 mil pessoas por noite e, de acordo com a Amazonastur, 120 mil pessoas visitaram a ilha durante o período do festival.
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