sábado, maio 24, 2025
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IAgora, José?

Sobre algoritmos, afeto e o desafio de continuar comunicando no tempo das máquinas que aprendem.

“E agora, José?”
Carlos Drummond de Andrade, em seu poema eternamente atual, descreve o vazio depois da festa, o silêncio depois da euforia, a pergunta que ecoa quando tudo muda, e a resposta não vem.

Hoje, talvez esse mesmo eco reverbere nos corredores das agências, nos escritórios das marcas, nos dashboards dos analistas, diante da revolução inevitável que a Inteligência Artificial está impondo à indústria da comunicação.

A festa dos formatos está acabando.
A zona de conforto das campanhas em looping, também.
E a pergunta se instala, como em Drummond:
IAgora, José?
A IA está aí.
Automatiza, prediz, escreve, edita, ajusta, segmenta.
Mas… e nós?

Nós vivemos o princípio de uma nova era na indústria da comunicação, um tempo em que as máquinas começam a pensar e os profissionais, a reaprender. A Inteligência Artificial, antes ficção de laboratório, hoje se instala rápida e silenciosamente nos bastidores das campanhas, nos processos criativos, nos fluxos de mídia, nos relatórios de performance e, cada vez mais, no coração das decisões estratégicas.

Mas a grande virada não está apenas em usar a IA como ferramenta, está em reformular o pensamento comunicacional. A IA nos obriga a refletir: o que é, afinal, comunicação em um mundo onde as conexões são automáticas e os desejos, preditivos? Como preservar a relevância humana em um ecossistema onde o conteúdo é criado em segundos, e a atenção se mede em milissegundos?

Os desafios são muitos.
O primeiro deles é transformar um bando de dados em um banco de dados, e depois em um banco de significados.

As empresas e agências precisam compreender que coletar informação não basta. A revolução está em organizar, estruturar e dar sentido aos dados, extraindo deles não só números, mas narrativas, comportamentos, padrões e oportunidades. Isso exige não apenas tecnologia, mas cultura analítica, pensamento estratégico e sensibilidade criativa.

Vivemos a era da hiperconexão. A Internet das Coisas (IoT) conecta geladeiras, relógios, carros, câmeras e até espelhos, tudo coleta, tudo aprende, tudo comunica. E o consumidor se move nesse ambiente com naturalidade, exigindo hiperpersonalização, respostas em tempo real, experiências fluidas e conversas com marcas tão naturais quanto com amigos.

A comunicação precisa, então, ir além da mensagem.
Precisa ser vivência, contexto, utilidade e verdade.

As agências têm a chance de se reposicionar como ecossistemas de inteligência híbrida, onde humanos e máquinas colaboram, onde o dado orienta a intuição, e onde o storytelling é ancorado em relevância.

Os veículos precisam entender que não vendem mais só audiência, mas ambientes de confiança.

Os anunciantes, por sua vez, devem abandonar de vez o modelo de interrupção e abraçar o de contribuição: marcas que não apenas falam, mas fazem parte.

Mas talvez o maior convite desta revolução seja este: mergulhar nos aprendizados da IA sem perder a humanidade.
Aprender suas linguagens, suas possibilidades, suas limitações.
Ensinar à máquina o que ela ainda não pode captar, a intuição, o improvável, o encanto, o silêncio cheio de significado.

Esse mergulho será potente se feito por equipes heterogêneas. A energia dos jovens da Geração Z, nativos da conexão, intuitivos da velocidade, precisa se encontrar com a experiência de profissionais que viveram as grandes viradas da comunicação e sabem que toda inovação precisa de tempo para florescer. Os profissionais mais experientes carregam a bagagem da escuta, da ética, da história.

Juntos, podem transformar o “E agora?” em ação, transição e reinvenção

A indústria da comunicação nunca foi estática.
E agora, mais do que nunca, ela precisa ser viva, curiosa, colaborativa e regenerativa.

A IA não veio substituir.
Veio ampliar.
E nos pede, silenciosamente, que sejamos mais humanos do que nunca, agora com dados, algoritmos, afeto e propósito.

Afonso Abelhão é fundador e CEO da agência BigBee.

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