Alice atravessou o espelho e encontrou o país das maravilhas. Encontrou Cannes Lions Festival 2025.
Do outro lado, o reflexo era tentador: um Grand Prix brilhando como promessa, o aplauso mundial esguichando ego pelas paredes de vidro das agências. Mas como toda vaidade molhada demais, escorregou. Caiu bonito. E todo mundo fingiu surpresa.
Sabe o que é mais curioso? Não foi uma fraude isolada. Foi só o espelho quebrado revelando o que a gente já via embaçado há anos: essa nossa indústria da mentira elegante, que inscreve peças fantasmas, finge causa social para agradar júri europeu e celebra prêmios como quem esconde o vazio da relevância.
A verdade é que Cannes virou Wonderland, e o mercado virou Alice: perdida, seduzida e um tanto patética. Pulando de cogumelo em cogumelo na esperança de crescer de novo.
Mas a gente sabe, e sempre soube, que grande mesmo é quem não precisa inventar case pra existir. Que a criatividade real não vem do case editado em 4K, mas da criação que toca gente de verdade, sem efeito especial nem jornalista digitalizado.
Não se trata só de uma agência. Se trata de todos nós que por anos achamos bonito vencer jogando o jogo invertido. De cada cliente que topou “só veicular um pouquinho, na madrugada, pra inscrever, de cada publicitário que preferiu o leão ao legado, e de cada júri que bateu palma com a régua da conveniência.
A boa notícia é que o espelho rachou. E agora a gente tem duas opções: ou cola com mais maquiagem e continua a performance, ou encara o corte, sangra com dignidade e muda de roteiro.
A publicidade brasileira merece mais do que o constrangimento internacional. Merece reaprender a brilhar, não com truques de edição, mas com ideias que transformam.
Cannes pode continuar sendo o palco. Mas que venham novas Alices. Que não se percam em promessas invertidas. Que atravessem espelhos para se enxergar, e não para se esconder.
Porque às vezes, para criar algo verdadeiro, é preciso quebrar o espelho primeiro.
Afonso Abelhão é sócio fundador da agência BigBee e Presidente da APP BRASIL.