Para conscientizar a população e mostrar à sociedade o quão reais são os posts racistas na web, a ONG Criola, organização da sociedade civil que atua a partir da defesa e promoção de direitos das mulheres negras, lançou a campanha “Racismo virtual. As consequências são reais.”
A campanha nasceu em julho motivada pelo caso da jornalista Maria Júlia Coutinho, a Maju, que sofreu ataques racistas na página do Jornal Nacional, no Facebook. A Criola, em parceria com a W3haus, executou um trabalho de mapeamento dos comentários na plataforma, localizando as cidades onde os autores das ofensas moram. O passo seguinte foi transformar essas injúrias em algo material, na forma de outdoors e demais peças de mídia exterior instalados nas principais ruas e avenidas das cidades mapeadas.
As primeiras que receberam a campanha foram: Americana (SP), Feira de Santana (BA), Recife (PE) e Vila Velha (ES). Agora, a ação continua com outdoors no Rio de Janeiro (RS) e bancas de revista em Porto Alegre (RS). O site http://www.racismovirtual.com.br foi lançado pela ONG com a finalidade de fazer a sociedade brasileira refletir sobre o racismo e se questionar porque ele ainda sobrevive num país miscigenado.
De acordo com Jurema Werneck, fundadora da Criola, o objetivo da campanha é impactar a população e conscientizá-la sobre os efeitos de um comentário infeliz na internet. “Não é possível ignorar esses ataques e achar que não haverá consequências para os ofensores. Racismo é crime segundo a Constituição brasileira e, no caso dos insultos na internet, independentemente de terem sido direcionados a uma pessoa conhecida ou não, os agressores infringiram a lei e, pior, a honra e dignidade das mulheres negras. A campanha visa expor essas situações e fazer com que a sociedade se posicione contra esse retrocesso”, declara Jurema.
As peças criadas, inclusive as novas que serão instaladas inicialmente no Rio de Janeiro (RJ) e em Porto Alegre (RS), foram expostas no debate da última segunda (9), no Centro Cultural Municipal Parque das Ruínas (RJ), que reuniu membros da ONG Criola e profissionais especializados na questão do racismo. Além deste evento, a entidade também participará da Primeira Marcha de Mulheres Negras em Brasília, no dia 18/11, que tem como tema: “Contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver”. As duas iniciativas fazem parte das ações para o Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado em 20/11.
Crime digital
O crime de injúria racial está previsto no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, e também é aplicado à internet. Entretanto, a noção de ética e cidadania no mundo virtual ainda é muito fraca. Segundo Jurema Werneck, “ainda que o Marco Civil privilegie a liberdade de expressão, o regulamento da internet também garante que todos os direitos fundamentais sejam respeitados”, diz. Outro ponto relevante é que não são apenas os autores das injúrias que podem ser responsabilizados criminalmente. Os tribunais estão mais sensíveis aos comportamentos daqueles que “compartilham e curtem” as ofensas.
A Bloom Digital Research, startup do Grupo NonConformity focada em pesquisa no ambiente digital, fez um levantamento em parceria com a Zubit, startup que desenvolve ferramentas de monitoramento digital, que revelou os temas mais importantes relacionados ao racismo encontrados nos posts e comentários nas redes sociais. O termo “Nego” como sujeito negativo, por exemplo, é a expressão que mais se destaca em canais como Facebook, Twitter e Instagram. A “indignação seletiva” também incomoda, marcado por um grande volume de questionamentos sobre a atenção voltada aos casos de racismo virtual direcionado a negros famosos quando tantas pessoas sofrem esse tipo de ataque todos os dias.
Outras questões que geram bastante repercussão nas redes sociais são: o racismo religioso, infantil e no futebol; a não representatividade do negro na cultura; a tentativa de relativização do racismo; o preconceito associativo de classe, beleza, moda e intelectualidade; a discussão relacionada às cotas; o hip-hop, samba e rap como recursos de resistência e crítica social e a corrente de desconstrução de expressões populares racistas.
Com 9 anos de atuação, a ONG SaferNet Brasil (associação civil de direito privado, com atuação nacional, sem fins lucrativos ou econômicos, sem vinculação político partidária, religiosa ou racial) já recebeu e processou durante todo esse período 469.942 denúncias anônimas de racismo envolvendo 68.940 páginas (URLs) distintas (das quais 14.785 foram removidas) escritas em 7 idiomas e hospedadas em 8.022 hosts diferentes, conectados à Internet através de 8.263 números IPs distintos, atribuídos para 54 países em 5 continentes. As denúncias foram registradas pela população através dos 7 hotlines brasileiros que integram a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos.