Na cidade de Alto Hospício, nos arreadores do Deserto do Atacama, no Chile, uma montanha formada por mais de 59 mil toneladas de peças de roupas, entre sapatos, camisetas, casacos, vestidos e outros trajes, já pode ser vista do espaço. As imagens reveladas via satélite poderiam apontar mais um daqueles míticos cenários de filme latino-americano, mas, na realidade, é um alerta social e ambiental que mostra os perigos do consumo (e da produção) desenfreado de itens por tendências de moda. Com o objetivo de conscientizar e trazer à tona a real dimensão deste problema para diversos públicos, a Organização Não Governamental (ONG) Desierto Vestido, em parceria com a Fashion Revolution e Instituto Febre, e produção da Sugarcane Filmes, promovem o Atacama Fashion Week. Toda a concepção criativa e desenvolvimento do projeto são realizados pela Artplan.
No mundo da moda, esse problema já é conhecido, mas nada de muito efetivo é feito pelos principais envolvidos. Por isso, a iniciativa traz o que o universo fashionista sempre presta muita atenção: um evento ao estilo das principais semanas de moda que acontecem em Paris, Milão, São Paulo e Londres. O Atacama Fashion Week contará com um desfile de moda em pleno lixão do Atacama, com modelos vestindo looks feitos por produtores a partir de roupas despejadas no local. Junto da ação na passarela, o projeto terá um editorial fotográfico assinado por Mauricio Nahas, fotógrafo premiado, com mais de 30 anos de carreira.
Segundo a porta-voz da Desierto Vestido, ONG que, historicamente, tem tentado buscar essa solução local, a ideia do projeto não é pressionar um setor específico. É clamar por forças conjuntas a partir de um envolvimento público-privado por meio de um manifesto artístico. “Estamos aqui todos os dias do ano, nessa luta difícil. E, dia após dia, vemos o problema se agravar. Precisávamos promover algo grandioso pra chamar a atenção de todos os agentes do problema para discutirmos uma solução. O Atacama não pode mais esperar”, ressalta Ángela Astudillo, co-fundadora da Desierto Vestido, organização sem fins lucrativos dedicada à reciclagem de têxteis.
“Ao mesmo tempo que podemos ver uma foto no espaço, o cemitério de roupas é uma problemática ainda muito silenciosa. São lotes de peças de baixa qualidade ou danificadas, herdadas do mercado ‘fast fashion’ dos Estados Unidos, da Europa e da Ásia. A maioria das peças leva até 200 anos para se desintegrar. A emergência é climática, também”, completa Astudillo.
O desfile estará disponível no site oficial do evento (https://www.atacamafashionweek.com/), com comentários de influenciadores de moda, comportamento e sustentabilidade. Esse mesmo ambiente hospedará dados importantes e atualizados sobre a causa, bem como caminhos para a população em geral colaborar. Os conteúdos trarão códigos do mundo fashion como forma de chamar a atenção de diversos setores da sociedade. A campanha marcará presença na América do Sul, EUA e Europa.
“Decidimos trazer algo que o mundo da moda se orgulha – um belo desfile – para um lugar que é uma vergonha para a moda e a humanidade como um todo: um lixão de roupas em meio a um tesouro do nosso planeta. Transformar o Atacama em um salão de tendências para a economia circular é olhar para o consumo do futuro. Em meio a modelos, passarelas e flashes, há um discurso potente de emergência ambiental e de saúde pública. Destruir o planeta precisa sair de moda”, comentam os CCOs Rodrigo Almeida, Rafael Gil e Marcello Noronha, da Artplan.
Para evitar o aumento de 1,5ºC e o agravamento da crise climática, o setor da moda terá que reduzir suas emissões pela metade até 2030, de acordo com informações publicadas no site do instituto Febre, organização voltada à justiça climática para as mulheres da moda e apoiadora do projeto. A iniciativa também traz holofote a um problema recorrente no Deserto do Atacama: queimas clandestinas são realizadas nos montantes de roupas, que eventualmente também são enterradas no local.
“É crucial uma mudança sistêmica na indústria da moda, e como cidadãos, todos temos um papel a desempenhar. Das marcas, queremos a responsabilização e compromissos robustos. Dos governos, a missão é reivindicar políticas públicas e fiscalizações. Com a sociedade civil, o nosso papel é disseminar informações e impulsionar ações de mobilização”, destaca Fernanda Simon, diretora executiva do Fashion Revolution Brasil – organização brasileira do maior movimento ativista da moda no mundo.
“Mesmo com todos os seus impactos, o setor da moda não é incluído com sua devida responsabilidade na agenda política quando se trata de abordar a crise climática”, completa Eloisa Artuso, confundadora do Instituto Febre, organização social que trabalha com justiça socioambiental na intersecção entre clima, gênero e moda.
“Foi uma oportunidade incrível para a Sugar colaborar em um projeto tão relevante, especial e transformador como este, que transpassa o universo da moda e usa o audiovisual como palco para conscientização global do descarte inadequado de roupas. É um presente quando conseguimos projetos onde apostamos nosso talento, criatividade e ainda transmitimos uma mensagem poderosa”, compartilha Igor Selingarde, diretor e produtor executivo da Sugarcane Filmes.
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