Reinaldo Domingos, presidente da Associação Brasileira de Profissionais de Educação Financeira (ABEFIN)
Uma nova epidemia silenciosa avança pelo Brasil e atinge em cheio a população: o vício em apostas online. Com publicidade massiva, celebridades promovendo plataformas e a promessa de enriquecimento imediato, as chamadas “bets” e outros formatos de apostas, como o famoso “Tigrinho”, transformaram-se em um fenômeno social que já movimenta cifras bilionárias e causa prejuízos econômicos, emocionais e educacionais profundos.
De acordo com a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda, apenas as chamadas ‘bets”, formam um setor que faturaram R$ 17,4 bilhões no Brasil apenas no primeiro semestre deste ano. Hoje, cerca de 17,7 milhões de brasileiros apostam regularmente nesses sites, sendo a maioria homens (71,1%) e quase metade com até 30 anos de idade. O gasto médio por apostador ativo é de aproximadamente R$ 983 a cada seis meses (cerca de R$ 164 por mês), valor que, quando extrapolado para milhões de usuários, evidencia o tamanho do problema e seu impacto direto nas finanças pessoais e familiares.
O vício em apostas online tem efeitos semelhantes ao consumo de drogas e álcool. A dinâmica do jogo age diretamente no sistema de recompensa do cérebro, liberando dopamina — neurotransmissor que gera sensação de prazer e excitação. Com o tempo, o jogador passa a buscar estímulos cada vez mais intensos, o que leva à compulsão.
Os impactos são devastadores: ansiedade, irritabilidade, isolamento, queda no desempenho escolar, abandono dos estudos e endividamento crescente. Em muitos casos, a compulsão desemboca em crimes e perdas patrimoniais significativas.
“A pessoa sempre acha que pode parar, mesmo quando já está trocando atividades essenciais por um comportamento doentio”, explica Reinaldo Domingos, presidente da Associação Brasileira de Profissionais de Educação Financeira (ABEFIN). Segundo ele, a compulsão pelo jogo é um dos vícios mais silenciosos e destrutivos da atualidade.
Grande parte dos apostadores é seduzida por influenciadores digitais e propagandas que apresentam o jogo como um “estilo de vida” de sucesso. Entretanto, a realidade é cruel. De acordo com o Instituto Locomotiva, 53% das pessoas apostam com o objetivo de ganhar dinheiro. Mas para cada vencedor, há milhares de perdedores.
“O apelo comercial das apostas é especialmente perigoso para quem está em situação de vulnerabilidade financeira. Isso alimenta a ilusão de que existe um caminho curto para sair da pobreza – e esse caminho simplesmente não existe”, afirma Domingos.
Além dos prejuízos individuais, famílias inteiras são arrastadas para o colapso emocional e financeiro. São frequentes os relatos de casamentos destruídos, filhos negligenciados, dívidas conjuntas e perdas que ultrapassam centenas de milhares de reais.
O ambiente escolar também sofre as consequências. Professores relatam casos de alunos que passam noites acordados apostando, dormem em sala de aula, abandonam os estudos ou reagem com agressividade ao serem impedidos de usar o celular. Assim, a escola deixa de ser vista como espaço de aprendizado e passa a ser encarada como um obstáculo ao “estilo de vida de apostador”.
Diante desse cenário, especialistas defendem que a solução mais eficaz e duradoura está na formação de cidadãos financeiramente conscientes, capazes de resistir às armadilhas do consumo ilusório. Isso passa pela inclusão estruturada da educação do comportamento financeiro nas escolas, desde os primeiros anos.
“Não adianta apenas ensinar a fazer contas ou falar de juros compostos. Precisamos trabalhar a relação emocional que os jovens têm com o dinheiro, mostrar que ele é um meio, e não um fim. Isso muda a forma como eles tomam decisões”, destaca Domingos.
Entre os pilares estão o desenvolvimento da consciência sobre desejos e impulsos, a reflexão sobre metas e valores pessoais e o aprendizado do planejamento com base em propósito, e não na ansiedade por consumo.
Com a explosão de plataformas irregulares, o governo brasileiro iniciou medidas para bloquear sites e restringir métodos de pagamento. No entanto, como alerta Domingos, essas ações são apenas paliativas se não vierem acompanhadas de políticas públicas amplas de prevenção, suporte psicológico e, sobretudo, educação financeira.
“Esse problema não será resolvido apenas com fiscalização. Ele só será enfrentado de verdade quando a sociedade enxergar que formar cidadãos financeiramente conscientes é uma responsabilidade coletiva, e que a escola tem papel central nisso”, finaliza.
O vício em apostas está destruindo sonhos, famílias e carreiras antes mesmo que comecem. Enquanto a propaganda do lucro fácil seduz, a realidade é de perda, frustração e sofrimento. A única aposta segura que o Brasil pode fazer agora é na educação do comportamento financeiro — e ela precisa começar o quanto antes.
